Deixaste-me tão siderado com este documento que ainda estou nisto... Ora bem, quanto aos pelados e ao artigo de Castro Henriques (
https://run.unl.pt/bitstream/10362/1667 ... riques.pdf ) penso que há várias coisas a apontar. A primeira, a falha nas contas do peso, como já tu tinhas apontado. O pelado de 1 soldo terá a lei de 1,6 dinheiros e pesará cerca de 0,7g e não 0,50 e picos como diz o autor (oscile-se entre um valor de 229 a 233 para o marco, nunca estarão certas as contas de Castro Henriques). Pelo que a euivalência que ele faz acaba por não ser possível no sistema de dez soldos de D. João I. Para mais ainda porque acaba por datar o documento de 1401 ou um pouco antes, altura em que o sistema de dez soldos já não existia. Mais, quanto à tradução em si, pouco opino, porque não percebo aquela linguagem arcaica. Podias dar uma ajuda Mário. Fico-me pelo que diz o autor. E diz que o primeiro lavramento era de pelados e pilartes. E o segundo já era só de pelados. As outras moedas identifica-as como a proveniência da prata, incluindo os gentis, na parte de liga que a tinha. Mas não se lavravam pilartes ao tempo de D. João I...?
Depois a lei. ora, num pelado, pela lei do fragmento, 0,093 gramas de prata corresponderiam a 1soldo. Sensivelmente. Ora, vamos ver o valor do soldo em prata nas emissões do sistema de dez soldos (sensivelmente também):
1385-0,075g
1386-0,05g
1387-1391-0,038g
1392-0,021g
1392-1397-0,01g
Ou seja, o valor deste soldo também não é compatível com as leis posteriores ao interregno. E, com as anteriores, só se admitirmos leis de 4 e 5 dinheiros (há quem as defenda - 1383-1385-, mas os resultados de Gomes Marques contrariam-nas). Ainda assim, pela lei só se podiam os pelados situar no interregno. Os pelados de Castro Henriques, já vamos ao novo documento. Castro Henriques aponta ainda o oficial como argumento definitivo, mas pelo facto de trabalhar na moeda em 1389 não quer dizer que não trabalhasse antes.
Quanto a este documento, é de facto riquíssimo!
Devia ser "traduzido" na íntegra para "português corrente". É fantástico porque acaba por ser um exemplo parecido às modernas transações judiciais, mas típico dos sistemas inquisitórios. E é delicioso no "enrolanço" do texto... Seleccionei umas passagens que tentei não desvirtuar. Vejam se concordam com a simplificação "possível" do texto:
“Pelo primeiro arrendamento foi posta a condição, entre nós e eles, que cada um, segundo os seus quinhões a haver, fornecesse nas ditas moedas certas peellas por quinhão. E foram feitas das ditas rendas trinta quinhões. E nós ficámos com 3 quinhões, que é a décima parte das ditas rendas que os ditos Fernão Anes e João Cibrães e Gomes Dias haviam nas ditas rendas, cada um deles um quinhão por certas coisas e peeladas que deles houvessemos.”
“O dito Martim Vasques e os sobreditos parceiros na dita renda disseram-nos que eles, com os seus bens e de outros, que com eles tomaram parte nestas rendas, forneceram as suas peelladas(...)”
“(…) dando lugar e licença a outras pessoas, que a fizessem para nós e outros e dando licença e lugar ao nosso condestável (conde estabre?) de lavrar prata e moedas e bolhões e a outras pessoas no tempo do seu arrendamento.”
“(...)Nos queriam mostrar por direito e bons letrados que eles não eram obrigados a pagar-nos as perdas que nas ditas rendas houvesse, e que ainda nós lhes devíamos entregar as peeladas que eles entregaram e forneceram nas ditas moedas e mais o que nas ditas rendas podiam ganhar porque nós fomos contra as condições dos ditos contratos e porque não os queríamos deixar lavrar os ditos seis mil marcos de prata, em prata ou em bolhões que haviam de lavrar.”
“(...) E achando que nos pediam e demandavam direitos e que não eram obrigados a toda a perda que lhes demandávamos e lhes devíamos entregar o seu, que nas ditas moedas forneceram. Pelo que estabelecemos com os ditos rendeiros a presente composição amigável, sob a forma de transacção, sendo que para nós ficam as peeladas que os ditos rendeiros e cada um deles forneceram e haviam de fornecer nas ditas moedas, não lhes cabendo nenhuma parte das mesmas, ficando eles com a obrigação de não lavrar os ditos seis mil marcos em prata, nem em bolhão, que haviam de lavrar pelo dito contrato para pagar a perda que nas ditas rendas houvesse. E que, outrossim, para nós fique tudo o que recebemos, contando com as ditas peeladas, segundo o conteúdo das redações e contas que foram tomadas aos rendeiros, pelos nossos contadores, bem como tudo aquilo que nos deverem os rendeiros.”
Depois estabelece-se ainda que os rendeiros paguem ao Rei duas mil e quatrocentas coroas de ouro de França. E que perante isso fiquem, eles e a sua prole, livres nas suas pessoas e bens, e
“(...) obrigados a pagar e entregar, pelas rendas das moedas e alfândegas, por qualquer modo estabelecido nos contratos, documentos e escrituras que contra eles sejam mostradas, pertencendo-nos as ditas rendas ou todas as prestações a que, perante nós, eles estejam obrigados (...)"
Percebemos que de facto o "conde estabre" terá sido rendeiro. Penso que este era o documento que faltava. E percebemos que os houve no Porto. Ficando aberta a porta para a amoedação do Dr. João das Regras em Lisboa. É engraçado que, em inglês, arruela se diz "pellet"... Pela lógica que indicas, podiam até ser aqueles "quartos" de arcos lobados, cujos separadores são uma única arruela, grande. Os dados metrológicos de peso encaixam... Como encaixam nos quartos cruzados. Os escudos clássicos e os escudetes ligados andam entre 0,8 a 0,9. Os amendoados de lisboa (ou Porto?) 1, os de évora 1,2. Os atípicos PO, 1... As médias que temos, fruto do desgaste, terão que ser elevadas. Ou seja, o número de peças em marco será sempre um pouco menor.
Ainda assim, penso que as peellas, no espírito do contrato, terão que ser contrapartidas pelo arrendamento. Que nesse caso será um contractus e não a tal figura da "concessio expressa, personalis sive hereditaria". A ser esse segundo instituto não se chamariam as partes "rendeiros". E tem lógica que sejam moedas, emissões especiais, que depois o Rei usasse como entendesse. Nos atípicos há rosetas. É o que os diferencia de outras fracções. Sendo que nestas outras também aparecem por vezes...
Como interpretação do conteúdo do contrato, penso que o rei terá querido dar todos e mais alguns benefícios no momento do final das campanhas vitoriosas e depois, percebendo o que fizera, não quis cumprir o contrato. E, pelo sentido obrigacional unilateral da transacção, parece-me que o rei terá agido de forma autoritária, indo contra o que anteriormente acordara, ameaçando até com documentos putativos... Mas era preciso ver o contrato original.