ESFERA COROADA 1688 - Apontamentos

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doliveirarod
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ESFERA COROADA 1688 - Apontamentos

#1 Mensagem por doliveirarod » domingo mai 10, 2020 3:19 am

"aquela origem..."
ESF.jpg
serrilha1.jpg
Carimbo de 200 réis (tipo coroa medieval) do Regimento de 07/07/1663, determinando a carimbagem de tostões por 200 réis para o Brasil.
A base no caso é um tostão Felipe III de Portugal.
Esse exemplar ainda levou uma esfera armilar coroada, da Carta Régia de 17.03.1688
Está num MBC, "sem favores".
Bentes 54.02.
Pesa 7,5 gramas.


CARIMBO DE ESFERA COROADA:
esfera.jpg
Esse é talvez um dos exemplares mais perfeitos e inteiros que já vi de peça carimbada com a esfera coroada, pois, além da esfera, possui a serrilha nova.
Primeiramente, vale observar que o carimbo em si não possuía valor monetário, ou seja, a marcação não iria aumentar ou diminuir o valor facial da peça, ao contrário de todos os outros carimbos da história monetária brasileira. Então para que serviria a esfera coroada? Era um carimbo de certificação. A moeda que trouxesse tal marca, estaria "visada" pelas autoridades estatais, que a teriam conferido quanto à sua integridade e aptidão para integrar o meio circulante.
O motivo desse controle surgiu devido ao crime de cerceio da moeda. Nos tempos coloniais, a prata era um metal escasso no Brasil, em determinados locais, até mais que o ouro, já que não haviam na colônia jazidas consideráveis. Assim, era muito comum que as moedas de circulação em metal precioso fossem cerceadas pela população, ato que causava sérios prejuízos aos cofres públicos. No fim do século XVII, a coisa tomava tal vulto, que o Rei de Portugal determina que, nas Casas de Suplicação no Brasil, fosse igualado em tudo o crime do cerceio da moeda ao gravíssimo crime de moeda falsa (...assim nas penas como nas provas e demais circunstâncias);
IMG_20210401_0006.jpg
IMG_20210401_0007.jpg
Portanto, medidas são tomadas para combater o crime do cerceio. Além do aumento das penas para os infratores, as moedas correntes deveriam passar por uma verificação legal;
IMG_20210401_0006.jpg
cerc1.jpg
cerc2.jpg
IMG_20210401_0010.jpg
Conforme o Alvará de 1688, as esferas deveriam ser apostas junto à orla da moeda e ao seu novo "cordão", também para que se dificultasse a cerceadura. É exatamente o caso da peça acima, ganhou um cordão e um carimbo de esfera rente à orla, ou seja, no caso desse exemplar, o teor do Alvará foi 100% observado.

Outrossim, quando verificamos as informações passadas pelos catálogos em geral, brasileiros ou portugueses, estes se limitam a dizer que o carimbo de esfera deveria tangenciar a orla das moedas para evitar o cerceio. Ora, o puro tangenciar das orlas seria evidentemente insuficiente, pois onde não estivesse o carimbo a peça poderia ser facilmente desbastada.

Assim, as moedas recolhidas às oficinas de cunhagem deveriam ser pesadas, receber um cordão na orla, e, após, o carimbos de esfera, de forma que a natureza principal dessa contramarca era, de fato, a certificação, e não apenas a prevenção do cerceio, como afirmam os catálogos! A esfera garantia a integridade da peça e de sua orla.

Entretanto, conforme o material que chegou até hoje em dia, vemos diversas vezes a aplicação do(s) carimbo(s) desacompanhado(s) do cordão, o que, legalmente, não deveria ocorrer. Acredito que isso se deve a precariedade de parte das oficinas, algumas delas não deveriam ter equipamento para produzir corretamente o cordão novo, de forma que, na prática, algumas teriam só aplicado os carimbos nas orlas. Em outros casos, isso vai se dever ao puro cerceio mesmo. Assim, levanto a hipótese de esse ser o motivo do rápido abandono do uso da contramarca, pois utilizada isoladamente, sem o cordão novo, seria bastante ineficaz para evitar o cerceio da moeda, como já visto.

Portanto, analisando esse material, podemos concluir que o carimbo de esfera coroada era (ou, em tese, deveria ser) aplicado sempre em conjunto com cordão novo, de forma a garantir que aquele numerário era bom para integrar o giro monetário.

Uma Curiosidade!

Esmiuçando o texto do Alvará, encontramos o trecho: ... E todas as patacas que de peso tiverem sete oitavas poderão correr pelo que até agora valiam, ainda que não sejam circuladas e marcadas como também as da fábrica de Segóvia porque estas não podem ser cerceadas sem que se conheça a respeito da forma de seu disco...


Ora, que moedas seriam essas tão bem especificadas pelo legislador, que poderiam correr sem estar "circuladas e marcadas" (com o cordão e a esfera)?

Tratavam-se das moedas da Oficina de Segóvia, que já empregava uma inovação tecnológica no trabalho de cunhagem espanhol, eram as primeiras moedas de cunhagem mecanizada batidas na Espanha. As moedas eram cunhadas por prensas, em "estampa", sendo em seguida a lâmina perfurada pela máquina nos pontos já gravados, formando-se os discos e, evidentemente, a moeda pronta:
sego.jpg
Aqui, por exemplo, um dois reales de Segóvia (evidentemente circulavam outros valores maiores, como 4 e 8). Se devidamente carimbado (com um carimbo de 150 réis, por exemplo) ele poderia continuar circulando sem ter que passar pelo processo do cordão e da contramarca. Isso porque o legislador entendeu ser essa nova forma de cunhagem mais segura, de maneira que qualquer cerceio não passaria desapercebido, visto os discos das moedas de Segóvia, via de regra, serem bem regulares.



*Documentos retirados do livro "AS OFICINAS MONETÁRIAS E AS PRIMEIRAS CASAS DA MOEDA DO BRASIL", de Guilherme de Alencastro Salazar (in memoriam)
Não tem Permissão para ver os ficheiros anexados nesta mensagem.


http://www.megaleiloes.com/leiloes.php? ... liveirarod ML - http://lista.mercadolivre.com.br/_CustId_14426169
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Rodrigues
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Re: 200 réis coroa medieval + esfera

#2 Mensagem por Rodrigues » domingo mai 10, 2020 11:04 am

Moeda difícil de encontrar no Brasil. Sem dúvida, um belo e interessante exemplar, com características bem peculiares. Parabéns pela aquisição!

Monge
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Re: 200 réis coroa medieval + esfera

#3 Mensagem por Monge » segunda mai 11, 2020 8:02 am

Interessante descrição que desconhecia. Consegue obter fotos com melhor definição e fora do alvéolo?
A moeda está um mimo como se veêm poucas desta época.

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doliveirarod
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Re: ESFERA COROADA 1688 - Apontamentos

#4 Mensagem por doliveirarod » quinta abr 01, 2021 10:57 pm

atualizado
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Re: ESFERA COROADA 1688 - Apontamentos

#5 Mensagem por fernanrei » sexta abr 02, 2021 10:45 am

Excelente descrição :clap3:
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Re: ESFERA COROADA 1688 - Apontamentos

#6 Mensagem por numismatica_bentes » terça nov 09, 2021 1:30 pm

Boa tarde!

No nosso Catálogo, está explicado a partir da página 139 da mais recente edição (oitava):

ORDEM DE 26 DE MAIO DE 1686 e LEI DE 9 DE AGOSTO DE 1686
CARTA RÉGIA DE 17 DE MARÇO DE 1688


Para prevenir o cerceio, também conhecido como corte da orla, foi ordenado, em Portugal, em 25 de maio de 1686, que as moedas de ouro entregues na Fazenda para a compra de títulos, e não estivessem cerceadas, fossem levadas à Casa da Moeda para receberem Cordão e Marca de Esfera Coroada, esta última para evitar que o cordão fosse suprimido da orla. Posteriormente, em agosto (9/8/1686), foi determinado por Lei que todas as moedas de ouro de fabricação antiga (desde os Filipes até D. Pedro P.R.) cerceadas ou não, fossem encordoadas e marcadas sob a alegação de que assim “se não poderão cercear as que estiverem livres de cerceio nem poderá crescer nas que estiverem cerceadas”.
No Brasil, a mesma aplicação foi efetuada de acordo com a Carta Régia de 17/03/1688 que ordenava que fosse adotado o mesmo procedimento em relação às moedas de prata.

Pela Ordem de 26/5/1686 e Lei de 9/8/1686, a fim de evitar o cerceio nas moedas de ouro e de prata, foi ordenado aplicar Cordão e Marca de Esfera Coroada nas moedas de 4 cruzados de D. João IV e de D. Afonso VI; nas Moedas, Meia Moeda e Quarto de Moeda de D. Afonso VI, anteriormente carimbadas, e nas de D. Pedro Príncipe Regente.

OBS.: É de se notar que essa imprudente Lei naturalmente facilitava o cerceio antes da entrega, já que permitia o recebimento impune por parte da Casa da Moeda, dos espécimes cerceados. Hoje só se conhecem com cordão e marca, as emissões mencionadas nesse catálogo. Caso existam outras, a cotação deve ser feita em conformidade com os exemplares já conhecidos.

Com os melhores cumprimentos.

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