(Trecho da obra "A Viagem do Descobrimento - A verdadeira história da expedição de Cabral", de Eduardo Bueno.)Por volta das seis horas da manhã de quinta-feira, dia 23 de abril de 1500, quando o sol nasceu na ampla baía em frente ao morro batizado de Monte Pascoal, a esquadra comandada por Pedro Álvares Cabral estava ancorada a 36 quilômetros da costa. Assim que o dia raiou, a frota se pôs cuidadosamente em marcha, avançando cerca de 30 km em três horas, no rumo daquelas praias banhadas de luz. Por volta das 10h da manhã, com a profundidade do mar já em 9 braças, os navios lançaram âncora, fundeando outra vez. Estavam agora a 3 km da praia, em frente à foz de um pequeno rio, cujas águas se jogavam contra o mar, depois de serpentear em meio ao emaranhado de uma floresta densa.
Então, na areia, às margens daquele regato, entre a mata e o mar, os portugueses viram "homens que andavam pela praia, obra de uns sete ou oito". A um sinal do comandante mor, os capitães dos outros navios embarcaram em batéis e esquifes e se dirigiram à nau capitânia para breve reunião. Logo após ela, Cabral decidiu enviar à terra o experiente Nicolau Coelho, que estivera na Índia com Vasco da Gama. Junto com ele, seguiram Gaspar da Gama, o "judeu da Índia" - que além de árabe, falava os dialetos indus da costa do Malabar - mais um grumete da Guiné e um escravo de Angola. Os portugueses conseguiram reunir, assim, a bordo de um escaler, homens dos três continentes conhecidos até então, e capazes de falar seis ou sete línguas diferentes.
Mas, quando o batel de Nicolau Coelho chegou à foz do pequeno rio, não foi possível travar diálogo algum com os nativos - agora já cerca de 18 ou 20. (...)
No momento em que o escaler tocou o fundo arenoso, os nativos se aproximaram do bote, "todos rijamente, trazendo nas mãos arcos e setas. Nicolau Coelho fez sinal para que pousassem os arcos. E eles os pousaram". E então, mesmo que não pudessem ouvir o que gritavam uns para os outros, portugueses e indígenas fizeram sua primeira troca. Sem descer do barco, Coelho jogou à praia um gorro vermelho, típico dos marujos lusos, um sombreiro preto e a carapuça de linho que usava na própria cabeça. Os nativos retribuíram dando-lhe um cocar de penas de ave, compridas, com uma copazinha pequena de penas vermelhas e pardas como de papagaios, além de um colar de contas brancas, talvez búzios, talvez pérolas miúdas. De certa forma, estava ali se iniciando uma aliança entre aquela tribo e os portugueses. Ela iria se prolongar por cerca de 70 anos. Os indígenas com os quais Nicolau Coelho travou o primeiro contato eram, se saberia mais tarde, da tribo Tupiniquim. Pertenciam à grande família Tupi Guarani.
Eis um interessante trecho da obra do jornalista e escritor Eduardo Bueno. Baseando-se nas carta de Pero Vaz de Caminha, o escrivão da frota de Cabral, relata o que teria sido o primeiro contato entre os marinheiros portugueses e os nativos daquela estranha e imensa terra, que aparecia gigantesca e misteriosa diante de seus incrédulos olhos.
Essa aventura começara já muito tempo antes, era decorrente da expansão marítima portuguesa, iniciada com a conquista do porto de Ceuta no Marrocos e ainda iria levar os portugueses até o extremo oriente, culminando na chegada ao Japão, com o desembarque em Nagasaqui em 1543.
(Pintura a óleo da esquadra de Cabral)
A esquadra de Cabral era composta de duas divisões, sendo a primeira a maior delas, composta de 5 naus, 2 caravelas, uma nau mercante e uma naveta de mantimentos, além da nau capitânia e da sota capitânia. A segunda divisão era bem menor, contando com apenas uma nau e uma caravela redonda (pilotada por Bartolomeu Dias).
A primeira divisão, contendo a nau capitânia dirigida por Cabral, teria por destino final a Índia, aportaria em Calicut, com missão oficial de criar uma feitoria, e estabelecer contatos comerciais favoráveis com o samorim local. A segunda divisão era oficialmente destinada a Sofala, em Moçambique, e também visava oficialmente fundar feitorias.
A nau capitânia tinha capacidade para 250 tonéis, além de Cabral iam uma numerosa guarda pessoal, outros capitães, padres franciscanos, interpretes, fidalgos, funcionários públicos, entre outros. Todos os integrantes dessas armadas teriam direito à parte do saque e pilhagem dos povos que entrassem em luta com os portugueses, bem como também poderiam transportar de volta para casa certa quantidade de especiarias cada um, conforme fosse seu status. Tendo em conta o alto preço das especiarias, e que as mesmas eram compradas já no porto quando do regresso, era um excelente negócio para todos, apesar dos riscos.
Finalmente, em 9 de março de 1500, partia do Tejo, ao meio dia, essa gigantesca esquadra, a maior até então reunida em homens e armas. Cabral comandava na verdade grandes quartéis flutuantes. Além de um numeroso exército, iam nessas naus várias e várias bocas de fogo: bombardas, falconetes, muitas peças de artilharia e farta munição. Eram para Calicute, caso falhasse a diplomacia, mas também garantiriam a viagem de volta com as ricas especiarias, bem como iam garantir uma "certa missão", que hoje se sabe que Cabral teria que cumprir, antes de chegar à Índia, missão que teria que ser mantida em segredo, pois nos palácios e portos abundavam os espiões, principalmente os castelhanos.
Em 23 de março a primeira grande perda. A nau comandada por Vasco de Ataíde some no mar, levando com ela mais de 150 homens, sem deixar rastro.
Em 22 de abril de 1500, a esquadra de Cabral ancorou em frente ao monte Pascoal, 44 dias após a sua partida de Lisboa.
A história do Brasil oficialmente, até uns anos atrás, dava o descobrimento como um "acaso", a esquadra que se dirigia à Índia teria se desviado da rota, vindo a aportar em terras brasileiras.
Hoje se supõe (versão mais crível) que Cabral já teria conhecimento do que iria encontrar, e iria tomar posse dessas terras em nome do rei de Portugal. Vários elementos são citados para defender essa tese, entre eles a presença do cartógrafo e navegador Duarte Pacheco entre a comissão que foi a Espanha negociar o Tratado de Tordesilhas. Pacheco Pereira mostrou saber muito bem o que fazia quando alargou ao máximo os limites portugueses do tratado. Antes de Cabral, já se sabia da existência dessas terras, só não se sabia a dimensão enorme que teriam.
Vincente Yanes Pinzón, espanhol, teria aportado em Pernambuco, no Cabo de Santo Agostinho, antes de Cabral, sendo isso muito provável. Muitos atribuem o descobrimento do Brasil a ele. Mas existe tese de que o próprio Duarte Pacheco teria vindo por estas bandas antes, em 1498, mantendo suas descobertas em segredo, o que era muito comum diante da espionagem. Mas com exata certeza nunca saberemos, pois os documentos sigilosos que poderiam comprovar ou desmentir essa tese foram destruídos no terremoto de Lisboa.
(quadro da primeira missa rezada no Brasil)
AS EMISSÕES:
Em 1900, 400 anos após a chegada de Cabral por estas terras, era emitida pela casa da moeda do Brasil uma bela e rara série de 4 peças em prata de lei, que seriam as últimas peças de prata no velho padrão "coroa" no Brasil. Dentre elas a inédita 4.000 réis, em homenagem ao próprio Cabral, uma peça literalmente fantástica, e que hoje aparecem muito poucas, até porque a tiragem foi curta. As emissões foram autorizadas pela Lei 559 de 31 de dezembro de 1898:
Art. 15. Afim de auxiliar a realização do programma organisado para commemorar o quarto centenario do descobrimento do Brazil, são concedidas á commissão central do centenario:
1º A emissão de sellos commemorativos, a que o Governo Federal dará curso por periodo limitado e fixado de accordo com a commissão central.
Esta emissão será entregue integralmente á commissão central, e o Governo permittirá que os sellos não utilisados sejam carimbados.
A commissão central do centenario indemnisará o Estado da renda do Correio correspondente aos sellos usados durante o periodo do curso estabelecido, e bem assim das despezas de custo do fabrico da totalidade da emissão.
2º A emissão de moedas commemorativas, de prata, do valor de um mil réis (1$000), e dos seus multiplos e sub-multiplos.
A emissão, que poderá ser feita por parcellas, será entregue exclusivamente a essa Commissão, indemnisando-se o Estado sómente do custo do metal empregado.
Os cunhos respectivos serão destruidos, terminadas as solemnidadas da commemoração do centenario.
Embora cunhadas no padrão oficial, não foram entregues à circulação, mas sim à Comissão Central do Centenário, responsável pelos festejos da efeméride, que colocou as séries à venda por valores bem acima do facial, para arrecadar dinheiro para os eventos. Assim a de 400 réis foi vendida a 1.000 réis, a de 1000 réis foi vendida a 2.000 réis, a de 2.000 réis foi vendida a 5.000 réis e a de 4.000 réis comercializada a 10.000 réis. As emissões foram um sucesso, e a Comissão arrecadou o suficiente para cumprir seus intentos.
As peças foram desmonetizadas em 1905, acompanhando a desvalorização do padrão 1000 réis.
Vamos à série:
-Valor facial - 400 réis
-Data - 1900
-Metal - Prata/0,917 - Peso 5,10 gramas
-Verso: Cruz da Ordem de Cristo, com a velha inscrição "IN HOC SIGNO VINCES"
-Tiragem: 55.000 exemplares
-KM. 8
A CRUZ DA ORDEM DE CRISTO: A Ordem de Cristo deriva diretamente da velha ordem medieval dos Cavaleiros Templários. Durante as guerras contra os mouros, a Ordem dos Templários ajudou Portugal a conquistar seu território, por isso ganhou grande poder político e terras ( O velho castelo Templário está na cidade de Tomar ). O Papa Clemente V e Felipe IV de França tentaram destruir completamente esta rica e poderosa ordem, por meio da difamação de seus membros, assassínios e pela absorção de bens. O Papa conseguiu abolir a Ordem dos Templários na Europa. Em Portugal, D. Diniz transfere os bens e privilégios dos templários para a Ordem de Cristo. Esta Ordem foi assim criada em Portugal como Ordo Militiae Jesu Christo pela bula Ad ae exquibus de 15 de março de 1319 pelo papa João XXII. A nova Ordem surgia sobre as cinzas da velha Ordem dos Templários, mas na verdade eram a mesma coisa, os símbolos, bens e privilégios eram os mesmos. Os ideais da expansão cristã reacenderam-se no século XV quando seu então Grão-Mestre, o Infante D. Henrique, o navegador, investiu os rendimentos da Ordem na exploração marítima. O emblema, a Cruz da Ordem de Cristo, adornava as velas das caravelas que exploravam os mares desconhecidos. Vemos então o papel fundamental da referida Ordem de Cristo (Templários) no descobrimento do Brasil.
-Valor facial - 1000 réis
-Data - 1900
-Metal - Prata/0,917 - Peso 12,75 gramas
-Verso: Efígie da República em primeiro plano. Abaixo um arado, por trás um navio a vapor, uma locomotiva e fios de telégrafos.
-Tiragem: 33.000 exemplares
-KM 9
A moeda faz menção ao regime republicano, então muito recente, e os progressos que o país estaria obtendo em relação à agricultura, marinha, estradas de ferro que desbravavam terras até então inexploradas, mas, sobretudo, a uma incipiente industrialização.
-Valor facial - 2000 réis
-Data - 1900
-Metal - Prata/0,917 - Peso 25.50 gramas
-Verso: Nau capitânea de Cabral, em primeiro plano, chega às terras brasileiras.
-Tiragem: 20.000 exemplares
-KM 10
A NAU: Embarcação com capacidade para cerca de 200 a 600 toneladas, levava uma tripulação de cerca de 300 homens, eram o "pau pra toda obra", pois servia tanto para transportar colonos e tropas para as terras a serem ocupadas nas Américas e Índias e levar à Europa as mercadorias lá obtidas, como era também largamente usada para guerra. Navio de grande calado, possuindo três mastros, 2 com velas quadradas e o último com a vela latina. Era ideal para grandes viagens, pois não precisava de grande tripulação, em contrapartida era lenta e não era fácil de manobrar.
-Valor facial - 4000 réis
-Data - 1900
-Metal - Prata/0,917 - Peso 51.00 gramas
-Verso: Pedro Alvarez Cabral toma posse do Brasil em nome do Rei de Portugal.
-Tiragem: 6.850 exemplares
-KM 11
PEDRO ÁLVARES CABRAL - Ao que tudo indica, foi a origem nobre que levou Cabral a comandar aquela grande esquadra com tamanha missão. D. Manoel faz menção às proezas que Cabral teria praticado nas navegações à época, na carta em que o nomeia, referindo-se aos seus "merecidos serviços", mas se houveram tais feitos, não são conhecidos nos dias de hoje. Coincidência ou não, era casado com uma das mulheres mais ricas de Portugal, Dna Isabel de Castro, neta de D. Fernando e D. Henrique de Castela.
Nosso navegador nasceu em Belmonte, entre 1467/68, era trineto de Alvaro Gil Cabral, que teve uma grande participação na batalha de Aljubarrota, além de defensor do castelo de Belmonte, do qual se tornou alcaíde. A família então ganhou direito de usar um brasão, no qual Alvaro Gil colocou três cabras, um animal "valente e leal", comum naquelas terras meio áridas e um tanto rudes e pobres. Nos 200 anos que se seguiram, Belmonte permaneceu quase que um feudo sob a família dos Cabral.
O pai de Cabral, Fernão Cabral, era conhecido como o "gigante da Beira", devido à estatura um tanto incomum para aquela época: 1,90 de altura! Tamanho este que Pedro herdou, conforme se comprovou mais tarde ao destamparem sua sepultura, em 1839.
Como não era filho primogênito, Pedro Alvares Cabral, conforme as leis da época, não teve direito à herança de seu pai. Mas casando-se com D. Isabel, tornou-se um homem mais rico e influente que seu avô.
Em fevereiro de 1500, o rei o nomeava capitão-mor da esquadra que "descobriria" o Brasil. Até então talvez Cabral nunca tivesse navegado, embora fosse mesmo um membro valoroso da Ordem de Cristo.
Sua morte deu-se em 1520/21, não se sabe ao certo o motivo. Supõe-se que tenha morrido por meio de uma malária que teria contraído em Calicute, e que vinha lhe minando a saúde, até que por fim acabou por matá-lo, cerca de 20 anos depois. Diziam que lhe minavam as "febres quartãs, e que tinha as faces do "empaludado".
Seu túmulo permaneceu longos anos praticamente abandonado e esquecido. Sua casa, séculos depois, acabou virando um bordel, e isso quase gerou um conflito diplomático com o Brasil, que não se conformava de ver o abandono a que tinham relegado a memória de nosso descobridor.