Aferir a genuinidade de uma moeda é um processo muito complexo, mas há três aspectos gerais que têm que estar presentes. Depois vou tentar aplicar esses aspectos ao exemplo deste tostão (dois tostões?):
1 - É necessária muita experiência da parte de quem faz a avaliação;
2 - A avaliação tem que começar por uma análise geral e, só a partir daí, debruçar-se sobre os pormenores;
3 - Avaliar implica uma responsabilidade muito grande.
Em relação ao primeiro ponto, a experiência deve ser específica em determinado tipo de cunhagem. Avaliar moedas romanas não é igual a avaliar moedas medievais. Avaliar cunhagens portuguesas do século XIX não é igual a avaliar cunhagens dos EUA do século XX.
O importante é que haja um conhecimento mínimo dos diferentes processo de cunhagem, das técnicas, dos materiais e, muitas vezes, dos próprios autores das moedas, bem como das circunstâncias pontuais de determinadas emissões. É importante conhecer também os diferentes métodos de falsificação, diferentes técnicas e até escolas/origens.
O segundo ponto, basicamente, quer dizer uma análise de estilo. O estilo geral da moeda pode denunciá-la de imediato. Em falsificações toscas, feitas com cunhos próprios, normalmente têm estilos que se distinguem logo dos originais (e vamos ao ponto 1); nas falsificações mais sofisticadas, feitas com técnicas de grande precisão (como a gravação mecânica de cunhos feitos a partir da micro-moldagem de moedas originais, que é o que os chineses têm feito há anos) é mais difícil ver os traços que indiciem falsificação, pois o estilo geral, normalmente, parece correcto, daí a análise de pormenor e a análise dos materiais ser muito importante.
No terceiro ponto é apenas uma questão de bom senso. Como não posso falar por mais ninguém, partilho apenas a minha opinião. Se vir uma moldagem tosca de uma moeda romana, algo comum, percebo de imediato que é falsa. Tenho experiência com esse tipo de moedas, digamos que, ganhei algum olho. Nesses casos, até porque são os mais básicos, o bê-á-bá das falsificações, sinto-me seguro para o dizer. Em casos mais complexos, mesmo que possa ter já emprenhado pelos ouvidos (ou pelos olhos, neste caso) com muitos comentários e bitaites, prefiro manter o silêncio, ou, no caso de ver algumas afirmações taxativas de condenação, procuro que me sejam dadas explicações (basicamente os pontos 1 e 2), para que possa aprender.
Diz-me a experiência, que é mais fácil lançar bitaites, do que justificá-los. Portanto, tal como no princípio da Justiça, prefiro um culpado (falsa) à solta, do que um inocente (genuína) condenado. É a minha opinião, como refiro. Outros terão outra forma de ver, ou de estar.
Este caso:
Pegando no ponto 1:
Sinto-me mais ou menos confortável para falar das primeiras emissões da República. Em termos gerais, tirando as viciações (que são outra história) e a praga dos 2 Centavos de ferro falsos (que é uma história antiga), o grande problema destas moedas são as falsificações chinesas, que nos últimos 20 anos, pouco mais ou menos, invadiram o mercado. Essas porcarias são sobretudo perigosas porque são falsificações até de moedas vulgares e baratas.
E sobre as séries originais da I República o que posso dizer? São moedas, normalmente, cunhadas em grandes quantidades, feitas com pouco controlo de qualidade (importante perceber o contexto histórico) e com materiais mais baratos, normalmente refundições de moedas anteriores que estavam em depósito na Casa da Moeda. Mais, estas séries foram feitas ainda nas instalações antigas, do século XVIII (com obras do século XIX) que, por volta de 1910, estavam já decrépitas. Resultado: cunhagens algo irregulares, sobretudo nos valores baixos, com cunhos a serem usados até ao limite (os PP abertos, os módulos irregulares, são exemplos disso); cunhagens sobre discos mal fundidos, mais sujeitos a degradação.
A par disto, temos o factor circulação e conservação: tratam-se de moedas de baixo valor, com muitas décadas de circulação em cima (este caso em concreto - 10 ou 20 centavos) teve curso legal até 1949. Tudo isso tem impacto na forma como olhamos para a moeda, o que nos leva ao
ponto 2:
Neste caso, não tenho uma visão de conjunto. Apenas excertos da data e rebordo de duas moedas diferentes. Isto condiciona logo a avaliação que se possa fazer. Mas, pegando apenas no visível (que deveria ser a regra número 1 para tudo na vida): uma das moedas aparenta não ter circulado e aparenta ter sido conservada num ambiente protegido; a outra circulou e, sobretudo, esteve exposta aos elementos e entrou em processo de corrosão. O que podemos ver dos materiais? Ambas mostram o rebordo típico destas moedas, na ampliação é algo irregular, a tal textura que refere, resultado de uma fundição menos elaborada e, sobretudo (e entramos na tal incoerência com o resto da moeda) o rebordo é a parte do disco que sofreu menos pressão/esmagamento, ou seja, o cunho amacia o parte interna, o campo. Mais, por oposição, no contexto de circulação, o rebordo é a área que está em maior contacto com os elementos (o rebordo serve, no fundo, para proteger a moeda).
Neste caso, temos dois tipos de textura semelhante, só que uma foi atacada pela corrosão, pelo uso, pelos elementos, o que deu cabo do peroloado. A outra esteve preservada, mas a tal a textura que refere está lá. Essa textura, para mim, é um elemento de genuinidade, pois está relacionada com o tipo de condições da cunhagem da época. Se reparar, os X e XX centavos das emissões de 42 em diante, e, sobretudo os 50 centavos e 1 escudo de 69 em diante, têm rebordos com muito menos textura, mais lisos; são moedas cunhadas com melhores materiais, melhores máquinas e num edifício novo, que é a actual INCM. Estas dos anos 1910 e 1920 têm quase sempre essa textura, pequenas falhas de metal. Nas falsas chinesas mais recentes, essa textura é reproduzida, creio que acelerada quimicamente, mas é algo diferente (ver o link que deixo no fim).
Em termos de estilo, nestes casos dos algarismos, que é apenas o que se vê, penso que são iguais, com mais, ou menos, desgaste, com mais ou menos sofrimento.
E o ponto 3
Eu não vi as moedas no geral e não conheço os seus elementos metrológicos, como tal, seria irresponsável fazer um juízo de valor. Deixo os elementos acima referidos, o conhecimento da proveniência e, deixo também este link para que se tenha atenção, ou se possa comparar aquilo que referi:
Cópias chinesas à venda neste momento (9/Dez./2020)
Mais do mesmo
[edit: editei para dizer que a palavra "Copy" nas moedas do Ali Baba Express não estão nas moedas, é um layer feito digitalmente para fingir que está tudo bem, o que eles vendem é mesmo aquilo sem nenhuma indicação de cópia; também não sei se todas as fotos são de moedas falsas, pode haver verdadeiras com esse "layer" para dar mais credibilidade à qualidade, não sei o que chegaria pelo correio fosse o mesmo do que o que está na imagem]