1.0 - ESCORÇO HISTÓRICO
(Mapa da cidade de Olinda conquistada - 1650)
As relações entre Portugal e os Países Baixos datam de longa data. Com a grande expansão ultramarina portuguesa iniciada no fim do séc. XV, o reino conquista terras e alcança riquezas e produtos então vitais para a econômia européia de então. Entretanto, a centralização política portuguesa ( Portugal foi o primeiro reino europeu a superar o feudalismo, com a centralização monárquica criada por D. João I ), que num primeiro momento serviu para impulsionar o país rumo aos descobrimentos, num segundo momento demonstrou ser um entrave ao capitalismo, visto que era ao Estado português que cabia investir no descobrimento de terras, na sua exploração e guarda, e com o Estado ficavam os lucros resultantes desses investimentos. Isso impedia o desenvolvimento de uma burguesia nacional e o acúmulo de capitais nas mãos da mesma, pois a iniciativa particular não era tolerada pelo Estado português, que absorvia praticamente quase todas as rendas obtidas no comércio colonial, e decidia soberanamente onde investir tais lucros. Os representantes do capital comercial não ocupavam postos de importância na hierarquia estatal que pudessem fazer valer seus interesses. Tais postos eram entregues à uma nobreza tradicional e parasitária, o que gerava ineficiência, gastos excessivos com a côrte e muita corrupção.
Na ausência de uma burguesia interna forte, que não podia surgir dentro desse contexto, Portugal era incapaz de promover a comercialização, junto ao mercado europeu, dos produtos e riquezas que vinham de suas várias colônias. Junto a esse problema, havia também o fato que a centralização estatal estagnava a produção interna portuguesa, visto que a produção e a manufatura nacional não recebiam capitais, destinados pelo Estado prioritariamente à defesa e a manutenção das colônias, e a consequência disso era a dependência do país em relação aos produtos externos, principalmente dos manufaturados.
Assim, o reino português dependia de países como Inglaterra, França e Holanda para comercializar e distribuir seus produtos dentro da Europa, bem com também era dependente dos manufaturados que esses países fabricavam e que não eram produzidos no reino para seu mercado interno. A dependência externa existia então em dois níveis: Da metrópole em relação aos produtores de manufaturados e também das colônias, que necessitavam da metrólpole para seu abastecimento, e que também eram abastecidas indiretamente por centros produtores externos.
O deficit da balança comercial portuguesa sempre era grande: O país importava mais do que exportava, e isso era compensado pelas riquezas que vinham das suas possessões.
Certos fatos ilustram muito bem o grau da dependência de Portugal, nesse caso, particularmente em relação à Holanda: A maior parte da instrumentação náutica e das armas usadas pelos portugueses vinham de Flandres e de Brabante (algo também vinha de Florença/Itália). As "Urcas" holandesas supriam as deficiências da marinha mercantil lusitana no transporte do açucar brasileiro para Lisboa (66% desse transporte era feito pelos flamengos). Houve períodos em que os holandeses chegaram a controlar cerca de 2/3 do do comércio do açucar brasileiro, financiando a produção e o refino, haviam 25 refinarias de açucar brasileiro instaladas em Amsterdam!
Assim, facilmente se verifica que os países baixos eram um dos grandes (se não o maior à época) beneficiados pelo comércio com Lisboa, os lucros obtidos pelos flamengos com esse financiamento e produção eram altíssimos.
1.1 - A UNIÃO IBÉRICA
(Felipe II de Habsburgo, Felipe I de Portugal)
Com a morte de D. Sebastião em Marrocos, na mal sucedida batalha de Alcácer Quibir, assume seu tio D. Henrique, um cardeal idoso, que morre sem deixar herdeiros em 1580, e com ele acaba-se a dinastia de Avis. D. Felipe II da Espanha, neto de D. Manuel o Venturoso, reclama o trono, e se sobrepõe a seus concorrentes. As forças espanholas invadem Portugal, e com o apoio da nobreza, dá-se início à União Ibérica, em que o reino português seria governado pelo rei da Espanha. Em 1581 ocorre o juramento de Tomar, onde Felipe II, compromete-se a respeitar a autônomia portuguesa e de suas colônias, bem como as leis e costumes do país.
Ao longo de sua história até então, Portugal tinha desenvolvido uma política de neutralidade em relação aos demais conflitos europeus. Não entrou em guerra nem com a França, que havia mais de uma vez invadido o território brasileiro tentando estabelecer colônias, sendo expulsa em guerras que foram travadas tão somente no âmbito colonial.
Com a União Ibérica o quadro da neutralidade portuguesa muda radicalmente. Unido com a Espanha, o país acaba envolvido nos conflitos europeus, pois a Espanha dominada pelos Habsburgos tinha vários interesses no continente, e era parte em diversas e dispendiosas guerras dinásticas e sucessórias.
Felipe II seguiu a política intervencionista de seu pai, Carlos V, e tentou influir em vários dos assuntos europeus. O governo de Felipe II era absolutista, e na Espanha de então grassava uma enorme intolerância religiosa, encabeçada principalmente pela "Santa" Inquisição. A política de Felipe II era também opressiva, e o rei apoiava a intolerância católica, sendo ele mesmo um fanático religioso. Assim, desrespeitou as tradições dos Países Baixos, que eram domínios espanhóis (visto que herdados por Felipe II de seu pai, Carlos V), reprimindo o Calvinismo, e tributando pesadamente as Províncias Holandesas, enriquecidas com o intenso comércio praticado pela forte burguesia comercial local. O imperador espanhol não podia tolerar "heresias" em seus domínios, e nomemu juízes e sacerdotes espanhóis de sua confiança para controlar os Países Baixos. A fogueira da inquisição católica começa a arder em terras holandesas, e com ela vem também o confisco dos bens dos "heréticos" em favor da coroa espanhola.
Os ricos Países Baixos então se rebelam, diante de tamanho descontentamento, e começam as revoltas internas e lutas contra as tropas espanholas lá estacionadas. Mesmo com o poderio militar espanhol e com a repressão promovida pelo Duque de Alba, os revoltosos não recuam. As 17 províncias que formavam os Países Baixos se unem contra Felipe II, e a guerra começa a ficar custosa demais até mesmo para o rico erário espanhol, abarrotado de prata colonial. As províncias do Sul, temerosas do poderio espanhol, se submetem em 1579, mas as províncias do Norte prosseguem em sua luta. Assim, as províncias setentrionais em número de 7, formaram a União de Utretch, liderada por Guilherme de Orange, que não reconhecia a soberania espanhola. Com o assassinato de Guilherme pelos espanhóis, a luta armada prossegue, e surge a República da Holanda, ou as Províncias Unidas dos Países Baixos.
Ora, com Portugal sob o domínio espanhol, e a Espanha em luta com a então recém criada República da Holanda, evidentemente que o vantajoso comércio travado entre Lisboa e os Países Baixos, onde esses últimos auferiam lucros incríveis, encontrava-se impossibilitado. Felipe II proibiu tal comércio, ficaram os navios flamengos proibidos de aportar em terras sob domínio espanhol, isso incluia naturalmente Portugal, Brasil e as demais colônias lusas, que estavam agora vedados ao comércio holandês.
1.2 - A COMPANHIA DAS INDIAS OCIDENTAIS.
(Bandeira da Companhia das Indias Ocidentais - GWC, e sargento holandês com alabarda)
Conforme exposto acima, vê-se que o lucrativo comércio travado entre Portugal e colônias com as Províncias Holandesas encontrava-se impossibilitado devido à União Ibérica e as guerras de Felipe II, que acabavam por envolver Portugal, direta ou indiretamente.
Assim, com a independência da Holanda, esse país teve que rever o seu comércio, reorganizando-o conforme as novas regras agora impostas. Surgiu assim a sua primeira companhia de comércio, a Companhia das Indias Orientais - O.I.C., em 1602 (A O.I.C. cunhou muita moeda nas colônias orientais, até o seu desaparecimento no início do séc. XIX). Era a O.I.C. uma Sociedade Anônima (S.A.), e mobilizava investimentos em âmbito nacional inicialmente, e logo após em âmbito internacional. Era uma companhia privilegiada, pois era isenta de impostos, e chegava mesmo a suprir o papel colonial do próprio Estado! Algo muito avançado para a época. Os lucros obtidos pela companhia na Ásia eram assim imensos, e deixavam cada vez mais ricos os seus acionistas, de forma que as ações da Companhia Oriental eram cada vez mais valorizadas e procuradas. Com tanto poder financeiro, não demorou para que o monopólio ibérico fosse quebrado nas Índias e Oriente, e os Holandeses começaram a conquistar colônias e monopólios comerciais que antes eram da Coroa Portuguesa (como Málaca e Ceilão, por exemplo).
A Companhia das Índias Orientais foi tão bem sucedida econômica e militarmente, que os flamengos resolveram repetir a idéia, só que agora na exploração de colônias no Ocidente. Surge assim, em 1621, a Companhia das Indias Ocidentais - Geoctrojeerde Westindische Compagnie, que também tinha o mesmo formato de Sociedade Anônima, e com a estrutura financeira montada, não demoram os holandeses a voltarem seus olhos ao rico e lucrativo Brasil açucareiro, de cujo comércio tinham oficialmente sido privados (claro que por "baixo do pano" muita coisa passava) pelo odiado D. Felipe da Espanha.
Entretanto, ao contrário da Companhia das Índias Orientais, que lidava com povos até bem desenvolvidos de civilizações bem antigas e ricas, e com bom conhecimento da prática comercial, a Companhia Ocidental iria lidar com povos indígenas semi bárbaros, com inimigos mais numerosos e bem armados que no Oriente (o comércio portugues no oriente já era decadente), e com terras estranhas e muitas vezes inóspitas para os flamengos. Para obter o açucar, o pau brasil e outros tão desejados produtos, seria necessário lutar muito, bem mais que nas bandas orientais, eram necessários muito mais homens, armas e navios, e bem mais dinheiro.
Assim, tinha a GWC um caráter bélico bem mais acentuado que sua irmã oriental, era uma companhia voltada muito mais para a conquista militar, ocupação e pirataria em grande escala (dos galeões portugueses abarrotados de açucar, e dos espanhóis carregados da prata do novo mundo) do que ao comércio propriamente dito. Era na verdade um exército paralelo ao Estatal, mantido com capitais privados, com base em mercenários contratados, e era uma das forças mais poderosas no mundo de então!
1.3 - AS INVASÕES HOLANDESAS NO BRASIL COLONIAL.
(Oficial luso-brasileiro com espada rapieira de estocada, a faixa na cintura indica a patente de oficial)
(Negro com mosquete, talabarte com cargas de pólvora, espada, polvorilho e isqueiro)
(indio com arco e flecha. Guerreiros nativos foram usados por ambas as partes beligerantes, de acordo com as alianças que conseguiam)
Em 1624, surgiam no mar da Bahia 26 galeões de guerra holandeses transportando mais de 3.000 homens em armas. A esquadra era comandada pelo general Jacob Willenkens. A Bahia foi escolhida por ser um grande centro açucareiro, bem como por ser a capital da América portuguesa. A invasão tinha sido planejada já em 1623, e apesar de saber antecipadamente da grande probabilidade desse ataque, o governador Diogo de Mendonça Furtado (aliás, pelo sobrenome talvez um antepassado meu

Em 1625, chega a Bahia uma poderosa esquadra luso-espanhola, liderada por D. Fradique de Toledo. Acossados por terra e sem poder receber reforços pelo mar, os holandeses acabam por depor as armas. O general Willenkens é morto em combate, tem a cabeça decepada e exposta em Salvador. A esse malogro da GWC somou-se também mais ataques fracassados nas colônias portuguesas na África e nas Antilhas espanholas. O prejuízo foi grande à Companhia, que esteve com as ações em baixa e realmente à beira da bancarrota. Entretanto, em 1628, os holandeses conseguem uma grande presa. Peter Heyn apreende, ancorada na Ilha de Cuba, uma esquadra espanhola, abarrotada com um carregamento de prata do México. A presa foi tão boa que conseguiu cobrir os prejuízos com os fracassos anteriores. Assim, a GWC se livra da quebra, e pode preparar seu segundo e bem sucedido ataque às cobiçadas terras do açucar.
1.4 - A CONQUISTA DE PERNAMBUCO
(Típico engenho de cana de açucar pernambucano do séc. XVII)
Após 5 anos da fracassada invasão à Bahia, retornam de novo os flamengos ao Brasil, dessa vez o alvo não é mais Salvador, mas Recife, a capital de Pernambuco. A escolha se deveu pelo fato de que o Recife era menos guarnecido que a bem fortificada Salvador, e que Pernambuco era então o principal centro açucareiro da colónia. Tal com na invasão da Bahia, foi a GWC que forneceu os planos, recursos e homens para a invasão.
Em fevereiro de 1630, o Recife treme ao perceber que se aproximam de seu porto 56 velas holandesas, entre elas vários dos melhores e mais bem armados galeões da época. A bordo o comandante Corneliszoon Lonk comandava mais de 7.000 homens, a maioria mercenários alemães, poloneses, franceses, dentre outras nacionalidades.
A resistência é capitaneada por Matias de Albuquerque. Ele manda colocar grandes correntes unindo alguns navios que se encontravam no porto do Recife, e os coloca a pique. Isso bloqueia a entrada do porto, e os Holandeses são obrigados a procurar outro local onde proceder desembarque, que ocorre mais a norte, na praia de Pau Amarelo. A resistência dura alguns dias apenas, apesar de feroz, e de causar perdas ao invasor, o mesmo contava com uma superioridade de armas e soldados treinados. Cai Olinda, e logo após o Recife. Matias de Albuquerque abandona a cidade que não podia mais ser defendida, e vai mais um pouco mais ao interior, onde funda o arraial do Bom Jesus, que seria o centro da resistência luso brasileira.
Como a coroa não mandava recursos, os holandeses fortalecem suas posições, e de Pernambuco partem para a conquista das terras de Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte.
Iniciava-se um domínio que iria durar quase 30 anos. A defesa nativa é então baseada nas táticas de guerrilha, já que um combate nos moldes normais era inviável. Criaram-se as chamadas "companhias de emboscada", pequenos grupos de dez a no máximo quarenta homens, com grande mobilidade, que atacavam de surpresa os holandeses, retirando-se rapidamente, e reagrupando-se depois para novos combates. Os senhores de engenho começam a aceitar o domínio da GWC, pois de qualquer forma, eles injetavam um capital novo na produção, coisa que a coroa portuguesa já não estava podendo fazer direito.
1.5 - MAURÍCIO DE NASSAU.
Para consolidar a conquista, A GWC envia ao Recife o conde João Maurício de Nassau-Siegen (Nassau era alemão, príncipe do pequeno Estado de Nassau-Siegen), que chega em 1637, junto com uma armada de 12 navios e 2.700 homens.
Nassau revelou-se um estadista e um bom diplomata, estabelecendo boas relações com os senhores de engenho e gentes da terra, emprestava dinheiro para que os engenhos voltassem a funcionar ou expandissem suas capacidades, aumentando a produção e incrementando as técnicas.
Permitiu a liberdade de culto, inclusive aos judeus, que no Recife vieram a fundar a primeira sinagoga das américas.
Decidiu transformar o Recife numa capital moderna, a "cidade Maurícia", ou Mauritsstad
, providenciou vários aterros, construiu diques, canais, pontes, e até palácios para a administração (o principal esteve de pé até o séc. XVIII, quando um governador português mandou derrubá-lo).
Trouxe pintores, artistas, pesquisadores, criou coleta de lixo, um corpo de bombeiros e até um observatório astronômico em plenos trópicos!
([Indio Tapuia pintado por Albert Eckhout, artista da comitiva de Nassau)
Com uma boa administração aliada à conquistas militares, Nassau consolida o poder holandês. Derrota o Conde de Bagnoli em Alagoas, oficial italiano a serviço de Portugal, que bate em retirada para Sergipe. Em 1637 enviou o coronel Hans Koin chefiando uma expedição naval que contava com mercenários e índios tapuias brasileiros, conquistando o Forte de São Jorge da Mina (a mais antiga possessão colonial portuguesa) na costa africana. A possessão portuguesa da Mina foi colocada sob o controle de Recife.
Tenta novamente a invasão da capital da Bahia, Salvador, mas encontra lá forte resistência, e não obtém sucesso. Entretanto, expandiu a conquista com a anexação do litoral das Capitania do Ceará, Sergipe e Maranhão.
Em 1640 Nassau volta-se contra Luanda. O objetivo era quebrar o fornecimento de escravos para a Bahia, e assim dobrar o que ainda resistia do Brasil português, que ficaria sem mão de obra para a cana de açucar, mas o motivo maior era cortar o suprimento de escravos destinados as minas de prata da América Espanhola. Seria um duro golpe para a dependente coroa espanhola. Sai de Recife uma poderosa esquadra em direção a Luanda, diante da armada, a cidade cai sem resistência, indo a tropa e a população portuguesas se refugiar em Massangano. Toma também São Tomé e feitorias na Guiné. No mesmo ano, ainda arranca dos portugueses a ilha de São Luis do Maranhão.
Apesar dos esforços e conquistas de Nassau, o Brasil holandês não ia bem. O preço do açúcar tinha começado a cair, e os senhores de engenho começavam a se rebelar contra a GWC, visto que deviam a ela mais de 5 milhões de florins (empréstimos concedidos por Nassau para incrementar a produção), e a volta do domínio português seria uma boa chance deles não quitarem essas dívidas. Junte-se a isso uma praga de bexigas que assolou a negraria, matando vários escravos, e fazendo a produção despencar ainda mais. Nassau também tinha gasto demais em prol da cidade de Recife, que segundo seus sonhos seria a grande capital do domínio holandês no Brasil, e a GWC estava insatisfeita com tais dispendios com o engrandecimento da cidade. Começam as falências de empresas açucareiras em Amsterdã, e as ações da GWC caem.
Nassau é chamado de volta à Holanda, para nunca mais voltar ao Brasil, em 1644.
Em seu lugar assume o governo a junta denominada de Conselho dos XIX, com sede na Holanda, que dava ordens ao Alto e Secreto Conselho do Brasil, responsável pela administração direta, cujo objetivo principal era "espremer" o máximo de lucros possíveis da terra para compensar os investimentos e prejuízos experimentados.
Nassau volta à Holanda, onde ainda chegou a Governador de Kleve, pegou em armas contra a França e a Espanha, e foi nomeado governador de Utrech.
Nassau permanece vivo na memória do povo de Pernambuco até os dias de hoje. Ele tornou o Recife uma cidade digna da qualificação de grande centro urbano à época. Foi tolerante, diplomata, e desenvolveu a urbanização e o embelezamento da cidade. Existem hoje ruas, praças, uma ponte e uma faculdade com seu nome no Recife.
(Mauritsstad, o Recife como a Cidade Maurícia)
1.6 - A RECONQUISTA.
(A batalha dos montes Guararapes, numa pintura do séc. XIX)
Com a saída de Nassau e a crise do preço do açucar, a GWC, por meio do Alto e Secreto Conselho sediado em Recife, começa a cobrar dos senhores de engenho de Pernambuco os empréstimos concedidos por Nassau. Tais cobranças não podiam vir em pior hora, uma praga fez cair a produção de açucar, e o mesmo encontrava-se em baixa. O resultado foi que os holandeses começaram a desapropriar os engenhos, por motivo de dívidas que já estavam em cerca de 130 tonéis de ouro, correspondentes a 13 milhões de florins. Sem Nassau, a cidade do Recife também não recebe mais os investimentos de outrora, e começa a decair. A insatisfação é geral. Os senhores de engenho queimam as propriedades, os estoques de açucar, e fogem para o mato, começava a insurreição pernambucana, onde os portugueses, os luso-brasileiros (mazombos), e os negros e índios aliados iriam enfrentar um dos melhores e mais equipados exércitos da época.
Os senhores de engenho João Fernandes Vieira (português) e André Vidal de Negreiros (brasileiro branco - "Mazombo") dão impulso a revolta. Apoiam os senhores de engenho o índio Felipe Camarão, lider indígena poti e aliado da coroa portuguesa, e o ex-escravo Henrique Dias, que comandará o contingente de negros e ex-escravos aliados dos luso-brasileiros. Como alega a história oficial, aí começa a surgir o conceito da nacionalidade brasileira, na luta das três principais raças formadoras do Brasil contra um inimigo mais forte e comum.
Começam as guerrilhas contra as tropas regulares holandesas, que começam a ser derrotadas pouco a pouco, batalha após batalha, num processo de desgaste doloroso para ambas as partes (Vitórias dos montes das Tabocas, Casa Forte, etc...)
1.7 - A ÚLTIMA BATALHA.
Tropas luso-brasileiras com seus variados integrantes (portugueses, espanhóis, italianos, mazombos, negros, mestiços e índios) enfrentam um dos mais poderosos exércitos de então.
Quando da primeira Batalha dos Guararapes, os exércitos luso-brasileiros contavam com cerca de 2.200 homens, que eram divididos em quatro terços, comandados pelos quatro mestres-de-campo já mencionados: João Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros, o governador dos Índios, capitão-mor Filipe Camarão, e o governador dos pretos, Henrique Dias. Os terços não dispunham de nenhuma artilharia de apoio.
A velha técnica portuguesa de combater, testada nas guerras contra Espanha, no Alentejo, baseava-se no estilo das guerras de Flandres. Os exércitos eram formados por Terços de Infantaria, formados por 2000 homens, subdivididos em 10 companhias de 200 homens cada uma, formadas por igual número de piqueiros e arcabuzeiros. Os piqueiros dispunham de um longo pique (18 pés de comprimento), espada, peitoral e celada; os arcabuzeiros, sem armadura defensiva, dispunham apenas do arcabuz ou espingarda de mecha com sua forquilha e uma adaga. Nas guerras européias marchavam em formação de grandes quadrados de 50 piqueiros em cada face, rodeados e flanqueados nos vértices por outros quadrados de arcabuzeiros, alternando assim as descargas de armas de fogo com as cargas de armas brancas. Dentro da realidade brasileira, de seus campos cerrados de matas e de mangues, e da inferioridade tecnológica dos luso brasileiros, essas técnicas de nada valiam, e tiveram que ser solenemente ignoradas, aqui valia a criatividade. A surpresa, a guerrilha e o ataque/recuo foram grandes instrumentos utilizados. A capacidade de improviso, resistência e habilidade na espada ajudaram demais as tropas nativas.
O conselho dos XIX sediado no Recife, manda à Amsterdã a seguinte correspondência, datada de 1648:
"Todos os dias a experiência nos mostra que se habituaram a esta guerra de tal modo que podem medir-se com os mais exercitados soldados, como se tem visto nas refregas que com eles temos tido e como ainda se vê diariamente nos encontros que temos com eles a cada momento. Resistem muito bem agora de pé firme e logo que descarregam suas espingardas atiram-se sobre os nossos, para se baterem corpo a corpo. Sabem também armar emboscadas em lugares e passos apropriados e vantajosos, fazer sortidas dentro do mato e, em geral, produzir muito mal aos nossos. Quanto às armas estão bem munidos, sabem muito bem se servir delas, e no tocante às suas qualidades corporais excedem muito aos nossos soldados mais exercitados, quando à agilidade e disposição. Além disso, sabem melhor que os nossos se submeter as provações, tais como a falta de víveres, enquanto os nossos soldados têm de carregar sempre alforges ou então transportar os víveres logo atrás deles."
No dia 17 de abril de 1648,O governador das Armas Holandesas, Sigmund von Schkoppe, conhecido pela crueldade com que tratava os seus adversários e pelo espírito de disciplina para com seus subordinados, saiu do Recife no comando de um formidável exército de 4.500 homens, divididos em sete regimentos, acrescidos de cerca de 1000 índios tapuias e negros carregadores. Tinha 71 bandeiras, e contava com 6 peças de artilharia. De acorodo com as reformas implantadas por Maurício de Nassau, que visava adaptar mais a técnica de combate à realidade do Brasil, os batalhões dos exércitos holandeses no aqui eram formados por 500 homens, divididos por fileiras de 300 piqueiros (grandes lanças de 18 pés de comprimento) e 200 mosqueteiros, que se alternavam por ocasião do desenvolvimento da batalhas.
As tropas luso-brasileiras chegaram a Guararapes "no sábado, à tarde, e pelas 10 horas da noite se acabaram de situar em troços, em uma baixa e planície que está ao pé do último monte, que vulgarmente chamam Outeiro", distante três léguas do Arraial Novo e uma légua da Muribeca. Restava ao inimigo uma passagem de pouco mais de cem passos de largo, cerca de cem metros, entre o monte e um terreno alagadiço que o contornava. Estacionava assim os luso-brasileiros, escondidos entre a vegetação e o manguezal, "em sítio acomodado, não só para reprimir o ímpeto do inimigo, mas ainda para destruí-lo".
Mantendo escondidas as tropas, Barreto de Menezes faz avançar através do Boqueirão, sobre os holandeses, cerca de 200 a 300 homens, apenas para atraí-los para uma grande emboscada, fazendo crer ao inimigo que somente uma pequena força lhes disputava aquela importante passagem para o sul. Von Schkoppe não pensou duas vezes. Ordenou que uma força composta de seu regimento e dos regimentos dos coronéis Van Elst e Keervaen atacasse com presteza a pequena força luso-brasileira e conquistasse o Boqueirão.
Durante o ataque, muitos holandeses, visto a frente estreita do Boqueirão, progrediam com grande dificuldade através dos alagados (manguezais, lama mole), que julgavam solo firme, para envolverem pela esquerda a tal força pequena ao comando de Dias Cardoso. A ala direita holandesa iniciou a progressão com vistas a desbordar os luso-brasileiros, através de um ataque envolvente pela direita. Assim, tinham os holandeses caído na grande emboscada que os luso-brasileiros lhes haviam preparado, acreditaram que as forças que os esperavam eram reduzidas, e "emburacaram" no boqueirão. Nesse momento, o Mestre de Campo Barreto de Menezes ordenou um ataque total à espada dos luso-brasileiros, que se mantinham com o grosso de suas forças, a coberto, pelo monte Oitizeiro e restinga de mato nos alagados. Ordenado o ataque geral, após breves trocas de tiros que poucas baixas causaram, foi desfechado o violento ataque a espada encima dos holandeses, na estreita faixa do interior do Boqueirão local para onde foram atraídos os batavos. O valente ataque surpreendeu os holandeses que pensavam que iriam enfrentar (e esmagar) uma pequena força inimiga.
Logo se criou a confusão e a desordem no dispositivo holandês, provocando a deserção de muitos de seus soldados. Ao virarem as costas aos luso-brasileiros para retrair, muitos holandeses foram abatidos à espada.
Os numerosos holandeses que correram para os alagados (mangues) encontraram a morte ali mesmo, principalmente abatidos a tiros, lançaços, à espada, talvez pelas forças de Felipe Camarão (chefe índio), por certo habituadas a deslocarem-se nos alagados.
Nos gráficos abaixo o breve esquema da batalha:
(Holandeses atacam, são atraídos para dentro do Boqueirão, perseguindo uma pequena força de "isca")
(Ataque da totalidade das forças luso-brasileiras para cima dos holandeses, encurralados no boqueirão. Ao tentarem fugir, morrem à espada e a tiros, dentro dos alagados)
Os holandeses ainda tentam um contra-ataque com as forças reservas:
Mas saem repelidos num violento contra ataque, e a frente de batalha se estabiliza em favor dos luso-brasileiros.
Os luso-brasileiros se recompunham do grande desgaste do dia, e se reorganizam para o combate no dia seguinte. Os holandeses, aproveitando-se da noite, bateram silenciosamente em retirada para a Leiteria (Boa Viagem), debaixo de enorme aguaceiro que caiu durante a noite. O dito aguaceiro apanhou os luso brasileiros em posição em campo aberto, castigando-os e impedindo um sono reparador, ao mesmo tempo que agravou os sofrimentos dos feridos.
Pela manhã, foram lançados reconhecimentos na direção holandesa e feitos prisioneiros alguns sentinelas que desconheciam a retirada de seu exército. O Cel Van der Branden retirou-se com 3200 homens de seu exército, ou 50% do efetivo inicial, de vez que os restantes 3200 tombaram em combate, desertaram, esconderam-se nas matas próximas ou foram encarregados do transporte de feridos. Essa vitória rendeu aos luso-brasileiros farta munição, bons armamentos, dinheiro e duas peças de artilharia.
Animada com essa grande vitória, a coroa portuguesa resolve então mandar reforços, vendo que, ao contrário do que pensava D. João IV e seus ministros, Pernambuco não estava irremediávelmente perdido. Em agosto de 1648, chegam a Pernambuco 300 infantes dos terços da Ilhas, armados com material moderno, suas arcabuzes compridos alcançavam distância maior até do que os dos holandeses.
Em 1649, mais uma força holandesa, composta de 3.510 homens, comandados pelo coronel Van der Brincken, sai de Recife ao encontro dos luso-brasileiros nos montes Guararapes, iniciando assim a segunda batalha dos montes. Na vanguarda muitos soldados com chuços e piques, para reprimir a temida investida à espada luso-brasileira. Ao encontro dessa nova força seguem os luso-brasileiros aos montes Guararapes, e lá já a encontram instalada, ocupando o boqueirão onde ocorrera a primeira batalha, e a baixa, ostentando grande aparato de guerra, pesadas peças de artilharia e muitas bandeiras. Os holandeses esperavam as tropas nativas avançando pelo norte, mas para sua surpresa, elas acabaram atacando pelo sul, onde não eram esperados, visto que lá predominavam os "pântanos" (mangues), e o deslocamento era mais difícil.
E assim ficaram os exércitos: O holandeses numa posição mais alta, ocupando o monte, e os luso-brasileiros em baixo, ao pé do monte, entocados nos mangues, barrando qualquer retirada. Os grupos de lusos brasileiros se espalhavam, escondendo-se nos matos e canaviais, acompanhando os movimentos holandeses e atacando de emboscadas.
Imobilizados encima dos montes, e longe das fontes de água, fechadas pelas tropas nativas, os batavos começavam a sofre de sede com o imenso calor que fazia no monte. Assim o coronel Van der Goch descreve a situação:
"Tendo tomado em consideração que o inimigo não seria facilmente seduzido a dar combate, visto conservasse posição privilegiada nos matos e por detrás dos pântanos, e que as nossas tropas ficando sobre os montes, que são desertos, sem sombra e água, seriam extremamente fatigadas e enfraquecidas, procedeu-se à convocação dos chefes da expedição para deliberarem juntamente sobre o que fazer nessas circunstâncias, e todos por unanimidade opinaram que não se devia aconselhar conservar as tropas ainda por mais tempo no alto dos montes, com a esperança incerta de chamar para lá o inimigo, e que por consequência as tropas deviam retirar-se antes que os embornais ficassem inteiramente vazios e os soldados inteiramente esgotados pelo calor excessivo"
Às 3 horas da tarde, começam os regimentos holandeses a descer dos montes, em ordem. Ao tomar conhecimento da retirada, e aproveitando-se do erro estratégico dos inimigos, os lusos-brasileiros fazem valer suas posições privilegiadas, e começam um ataque que seria um verdadeiro massacre. Frente a força dos ataques, os expostos holandeses começam a desertar e a fugir, conforme relata carta de um oficial:
"O tenente coronel Claes com o regimento do tenente general do qual naquele momento tinha o comando, e o coronel Hauthyn, tendo entrado ambos igualmente em ação contra o inimigo, e tratando de reconquistar a garganta do monte abandonado, tiveram que recuar igualmente para o monte, por causa da excessiva força do inimigo, que então veio com tanta impetuosidade sobre os nossos que as nossas tropas começaram a fugir e acharam-se logo na maior confusão, a tal ponto de que nem palavras nem a força puderam contê-las, apesar de todos os esforços dos oficiais em geral e do abaixo assinado em particular, tendo, pela brandura como pela força. Essa fuga e confusão foram consideravelmente aumentadas pelas tropas dos coronéis van der Brande e van Elst, que descendo o monte vieram correndo o mais que podiam atirar-se em confusão nos mencionados regimentos do tenente general e de Hauthyn, produzindo nele uma desordem completa"
Após cerca de três horas de luta ferrenha, relata o major António de Souza Junior:
"Vieira se foi unir e incorporar com André Vidal de Negreiros, Francisco Figueiroa e António Dias, e todos juntos foram apertando com o o inimigo de tal sorte que o fizeram precipitar e despenhar por aquelas barrocas e grotas dos montes Guararapes, donde lhe fizeram grande estrago e mortandade, com que já estava já toda aquela campanha dos altos e baixos dos montes lastrada e juncada de corpos dos inimigos, que era uma cousa horrenda de se ver tanta mortandade, tantas e tão espantosas feridas, tantos corpos sem cabeças, braços, pernas, uns já mortos, outros agonizando e lutando com a morte, outros revolvendo-se em sangue e muitos urrando e gritando com ânsias e agonias mortais, não poucos dando e exalando o último suspiro."
O relato do português está bem de acordo com o relato de seu "colega" oficial holandês, que assim descreveu em carta à GWC a retirada:
"Em referência ao combate acima relatado, observei principalmente duas particularidades que, em minha opinião, merecem bem atenção: Em primeiro lugar, as tropas do inimigo saindo do mato e por detrás dos pântanos e de outros lugares tinham a vantagem da posição, atacavam sem ordem e em completa dispersão e aplicavam-se a romper diferentes quadrados. Em segundo lugar, as tropas inimigas são ligeiras e ágeis de natureza, para correrem para adiante ou se afastarem, e por causa de sua crueldade inata são também temíveis. Compõem-se de brasileiros, tapuias, negros, mulatos, mamelucos, nações de todo o país e também de portugueses e italianos, que tem muita analogia com os naturais do país quanto à sua constituição, de modo que atravessam e cruzam os matos e brejos, sobem os morros tão numerosos aqui e descem tudo isso com uma rapidez e agilidade verdadeiramente notáveis. Nós, pelo contrário, combatemos em batalhões formados como se usa na mãe pátria, e nossos homens indolentes e fracos, nada afeitos à constituição do país, disso resulta que essas espécies de ataque com armas de fogo, como acima se trata, devem ter inevitávelmente bom resultado, e que rompendo nossos batalhões e pondo-os em fuga, matando-nos um maior número de soldados em perseguição do que teriam feito em combate mesmo. (...) Além disto, as peças de artilharia de campanha não podendo ser apontadas sobre bandos ou grupos dispersos, tornam-se inúteis, ou para melhor dizer, ransformam-se em verdadeiras charruas para o nosso eército, sem contar uma multidão de outros inconvenientes, muito numerosos para serem aqui apontados."
Após essa derrota, a capacidade de ataque dos batavos se anula, e tudo que se pode fazer do lado deles é defender o Recife, bem fortificado ainda. Mais uma vez os luso-brasileiros tomam boas quantidades de pólvora, dinheiro, armas e peças de artilharia.
A moral das tropas batavas cai a níveis alarmantes, o número deserções começa a subir.
Nesse ínterim, Angola é recuperada pelas tropas de Salvador Correia de Sá, em 1648. A situação para os holandeses piora tanto que os Estados Gerais pediram uma declaração de guerra formal contra Portugal, bem como autorização de pirataria e corso contra as embarcações portuguesas em qualquer lugar do globo. O embaixador em Haia, Souza Coutinho, é comunicado da exigência do imediato reconhecimento do Brasil holandês e do Ocidente Africano (Angola e São Tomé) por D. João IV. O embaixador ganha tempo, fazendo propostas de venda de Pernambuco e Angola a preços altíssimos. Os Estados Gerais decidem cercar o porto de Lisboa com uma esquadra de 25 navios de guerra, caso Portugal não restaurasse o que a GWC havia perdido na Africa e no Brasil. A guerra agora ameaçava chegar embaixo das janelas de D. João IV, que se mostrava inclinado a vender Pernambuco aos holandeses. Mas para soret de Portugal, a Inlaterra e a Holanda entram em guerra pela supremacia dos mares em 1652, e a esquadra holandesa que faria o bloqueio do porto de Lisboa, evidentemente, teve que ser mobilizada contra as poderosas forças británicas.
Havia o temor das cortes de que, caso abandonados pela coroa, os pernambucanos buscassem ajuda dos ingleses, qualquer príncipe cristão, ou mesmo da odiada coroa de Castela. Em 1652, com os esforços holandeses canalizados contra os británicos, era hora de tomar de volta o Recife, último bastião de defesa. Diante das vitórias dos Guararapes e da guerra batavo-británica, D. João IV resolve agir e desafiar o poderio holandês.
Em 1653, surge na costa recifense a frota da Companhia de Comércio do Brasil, composta de 77 navios sob o comando de Pedro Jaques de Magalhães. A defesa do Recife estava nas mãos de homens cansados e desmoralizados, mal pagos e com salários atrasados. A esquadra toma posição de ataque, bloqueando a entrada do porto de Recife. Cercados por mar e por terra, os holandeses desmotivados começam a entregar suas fortalezas, uma a uma, e a baixar as armas e bandeiras. Não havia mais meios nem motivação para lutarem.
Em 26 de janeiro de 1654, assinam os holandeses a rendição, pondo fim à sua aventura no Brasil e ao sonho do Pernambuco holandês.
A rendição holandesa aqui representou o início do declínio do poderio comercial e militar batavo, iniciado em 1619, com a fundação de Batávia na Indonésia.
Foi também uma das maiores derrotas militares da história do exército da Holanda, que perdeu nos Guararapes 1.044 homens, e teve mais de 500 feridos, em contra partida os luso-brasileiros, devido a uma estratégia muito superior, perderam somente 47 homens, com 200 feridos. Morreram do lado invasor os generais Van der Brinken, Giesseling e outros 101 oficiais graduados. Nos Guararapes perdemos Henrique Dias, o general negro que chefiava os soldados pretos.
Apesar de um pouco longa, essa história toda ajuda a compreensão do contexto onde foram batidas as primeiras moedas do Brasil, e em que condições elas foram feitas, eram então moedas sempre emergenciais, de cerco.
Vamos agora a elas:
2.0 - AS CUNHAGENS DA GWC NO BRASIL HOLANDÊS
2.1 - EMISSÕES DE 1645:
Como foi visto acima, em 1645 o Brasil holandês estava em crise, depois da saída do Conde de Nassau no ano anterior, e também pela conjuntura econômica em relação à queda preço do açúcar. O comando passou para o Conselho dos XIX, burgueses sobretudo interessados no próprio enriquecimento, mesmo em detrimento da companhia, e sempre prontos a negociar o açúcar eles mesmos.
Segundo as pesquisas do historiador pernambucano Gonçalves de Mello, a primeira vez que se faz menção a necessidade de cunhar moeda no Brasil é num documento emitido pelo Alto Conselho em 1645. Nele se lê que: "Devido à escasses de numerário em que nos achamos, e por nada podermos obter ali das dívidas existentes, por mais que nos esforcemos nesse sentido, e sendo diariamente necessário dispor de dinheiro tanto para pagamento da milícia e salário dos contratadores de serviços quanto das obras necessárias, víveres e outras cousas mais, que não podemos escusar, resolvemos retirar da caixa de ouro chegada da Costa da Guiné no navio Zelândia, a quantia de 360 marcos, de cada nona parte de 40 marcos, para com eles cunhar dinheiro ou vendê-lo, e sendo possível, restituí-los no futuro."
Esse ouro era proveniente das terras tomadas aos portugueses em 1637 (hoje Ghana), quando da conquista do Forte de São Jorge da Mina (primeira fortaleza européia em solo africano). O general Van Koin, que conquistou o Castelo da Mina, saiu de Recife com sua grande expedição.
De lá tinha zarpado o Zelândia com escala em Recife, levando em seus porões cerca de 308 Kg de ouro puro da Guiné.
Em agosto de 1645, finalmente decide o Alto Conselho: "Como não temos meios de obter mais algum dinheiro da população, quer do que é devido à Companhia, quer de outra maneira, e, por outro lado, dos 360 marcos de ouro da caixa recentemente chegada, o qual aqui conservamos para uma emergência nas atuais dificuldades, parte já vendemos e parte ainda não encontramos comprador para ele, para obter algum dinheiro; e como este não pode se conseguir senão fazendo cunhar moedas, embora para isto não estejamos autorizados, obrigados por grande necessidade, foi resolvido mandar cunhar moedas de ouro, quadradas, de 3, 6 e 12 florins, tendo em uma face o emblema da Companhia e na outra a data do ano; e curso superior ao de venda em 25%. Ao Sr Bas (Pieter Jansen Bas), nosso colega, que entende do assunto, foi solicitado quisesse fiscalizar a cunhagem, o que o mesmo prometeu d]fazer, com a condição que lhe fossem dados poderes expressos para isso"
Pieter Jansen Bas, membro do alto conselho, tinha sido ourives no Harlen. A cunhagem começou sem mais demoras. Em setembro, seguiram para o Conselho dos XIX na Holanda um exemplar de cada moeda aqui emitida (III, VI e XII florins de ouro). Essas moedas foram cunhadas entre os meses de agosto e setembro de 1645. Numa ata de reunião do Alto Conselho nesse ano, lia-se o seguinte: "Há alguns dias que os senhores do Supremo Conselho assentaram de fazer uma nova moeda, e já se cunhou uma grande soma em ouro de 3, 6 e 12 florins, o que vem muitíssimo a propósito para contentar os militares e outras pessoas. Diz-se também que serão cunhadas moedas de prata, o tempo mostrará".
Em 10 de outubro foi baixada a instrução pela qual era nomeado o Sr. Pieter Bas como fiscal da moeda no Brasil e responsável pela cunhagem do referido dinheiro emergencial. Num determinado documento, encontrado pelo prof. Gonçalves de Mello nos arquivos da antiga GWC, Bas escreveu o seguinte: "Em primeiro lugar, como fiscal da moeda da parte da Companhia das Índias Ocidentais e por ordem dos nobres senhores do Alto e Secreto Conselho no Brasil, deverá mandar cunhar uma moeda de ouro quadrada, tendo de um lado o emblema comum da Companhia das Índias Ocidentais e do outro lado em letras a palavra "BRASIL" e o ano de 1645. Esta moeda será denominada de ducado brasileiro e terá três valores, dos quais o valor maior terá 32 peças por marco de peso troy, com tolerância de 1 e 1/2 engels e será recebido pelo valor de 12 florins, de 40 grossos flamengos o florin, tanto pela Companhia quanto por quem quer que seja, mas somente no Brasil.
O segundo valor do mesmo ducado terá, por marco de peso troy, 64 peças, com tolerância de 2 engels de peso troy, e terá curso de 6 florins, de 40 grossos flamengos o florim
O terceiro tipo do supracitado ducado terá 128 peças por marco de peso troy, com tolerância de 2 e 1/2 engels troy e terá curso e valor de 3 florins, de 40 grossos flamengos o florim.
O mencionado ducado brasileiro será feito com ouro da Guiné, das Índias Ocidentais ou de qualquer outra procedência [...] devendo ser aceito como se apresentar, já que nesse país nenhuma ferramenta, materiais e outras cousas necessárias aos ensaios podem ser obtidas [...] de modo que o ouro tal como é lançado no cadinho será transformado em lâminas e deverá ser cortado e cunhado sem quaisquer outras considerações"
O que podemos depreender com esses textos todos, é que a moeda aqui cunhada era de caráter emergencial, visava a satisfação das necessidades financeiras básicas dos holandeses no Brasil. A maioria das tropas era composta de soldados mercenários, e essa gente precisava com urgência ser paga para evitar motins e deserções, sem falar no aparato dos funcionários a serviço da GWC que há tempos também não recebiam o seu pagamento. Outro detalhe que se vê é a grande dificuldade de produzir uma cunhagem no Brasil, devido a falta de instrumentação adequada, e também pela dificuldade de se purificar e trabalhar devidamente com o ouro, daí que Bas escreve que a moeda deve ser aceita como se encontrar.
Outro detalhe interessante é que, embora a moeda obsidional tenha ganho a denominação de "Florin", os holandeses em seus documentos a tratam por "ducado", que seria a classificação mais correta, portanto.
Segundo o numismata Gastão Dessart, os pesos das obsidionais, de acordo com as medidas uadas na Holanda de então, seria o seguinte:
III Florins - De 1,90 a 1,93 gramas
VI Florins - De 3,79 a 3,86 gramas
XII Florins - 7,57 a 7,72 gramas
Vê-se que, devido a impossibilidade de precisão, e pelas condições difíceis do fabrico das peças, havia uma margem de tolerância em relação aos pesos dessas novas moedas.
Embora as novas moedas batidas em 1645 dessem um grande alívio nas carregadas finanças dos invasores, logo se acabaram, sumindo dos cofres da Companhia, visto que também eram usadas para pagar os índios aliados, imprescidíveis no auxílio geral e nos combates.
O ourives Bas, segundo os documentos da Companhia, não prestou contas de quantas moedas teria batido naquele ano, de modo que não chegaram aos nossos dias dados exatos de quantas peças foram cunhadas.
Vemos abaixo exemplares das emissões de 1645 nos seus 3 valores, essas foram as primeiras moedas batidas em solo brasileiro:
III Florins 1645 (Imagens retiradas do site "angelinicoins"):
VI Florins 1645 (Imagens retiradas do site "angelinicoins"):
XII Florins 1645 (Imagens retiradas do site "angelinicoins"):
Para as emissões de III florins de 1645, são conhecidos 1 tipo de cunho de Reverso e 2 tipos de cunho de Verso.
Para as emissões de VI florins de 1645, são conhecidos 1 tipo de cunho de Reverso e 1 tipos de cunho de Verso.
Para as emissões de XII florins de 1645, são conhecidos 2 tipo de cunho de Reverso e 1 tipos de cunho de Verso.
2.2 - AS EMISSÕES DE 1646:
Nesse ano, a situação dos holandeses não estava muito diferente da do ano anterior. Havia escassês de viveres, e a GWC não mandava recursos regularmente. Naquele ano, fizeram escala em Recife os navios Eendracht de Amsterdã e o Eendracht de Enkhuisen. Na caixa forte daqueles navios que se dirigiam de volta à Holanda, estavam cerca de 395 Kg de ouro (1604 marcos), provenientes, tal como o ouro obtido no ano anterior no navio Zelândia, da Costa da Guiné.
E assim, da mesma forma que tinham feito na primeira cunhagem de 1645, retiraram dos cofres desses navios a quatidade de 405 marcos de ouro, que seria vendido e amoedado. a 16 de agosto o Alto onselho em Recife escreve em suas notas: "Não tivemos outra solução senão recorrer ao ouro da Guiné e dele retirar, para subsidio de caixa, 405 marcos, dos quais vendemos em leilão 25 a 39 florins a onça e 25 a 40 florins e o restante guardamos com intenção de fazê-lo cunhar"
Dessa cunhagem o ourives prestou contas detalhadas, ao contrário da cunhagem do ano anterior. Os documentos da época indicam que o tesoureiro Bas recebeu do conselheiro Alrichs um total de 355 marcos para amoedação. Em 27 de agosto começaram os trabalhos de cunhagem. Os documentos que se referem a ela, levantados pelo prof. Gonçalves de Mello, são muito interessantes, descrevem em pormenores os processos de amoedação, que nas condições em que se encontravam os holandeses naquele momento, não eram nada fáceis, devido à carencia de bons instrumentos e da pouca capacidade dos cadinhos usados para fundir o metal. Vejamos: "Colocado o cadinho no fogão com 20 marcos de ouro da Guiné, ao ser fundido, o cadinho rachou desde o fundo até acima junto à borda, pelo que nenhuma onça de ouro dele restou, e através da grelha, foi cair nas cinzas; sendo recuperado e purificado, foi colocado em um novo cadinho, diante do fole, com 10 marcos de ouro, o quel também rachou, pelo que obtivemos apenas 6 marcos em lâminas em condições de de serem utilizadas, o restante estando nas cinzas. Novamente recuperado e fundidodiante do fole, esse cadinho forneceu de boa qualidade, cerca de 12 marcos em lâminas, o restante retiramos das cinzas. Este resto colocamos de novo no fogão, junto com mais ouro da Guiné, em um cadinho, pesando ao todo 32 marcos e, ao ser fundido, rachou o cadinho desde a borda até a metade do fundo, mas conseguimos obter a metade do ouro em lâminas. Assim, nestas quatro fundições despendemos penosamente o dia e obtivemos 39 e 1/2 marcos em lâminas, os restantes 50 marcos recolhemos das cinza. Os esforços e perdas que essas operações originaram bem podem ser compreendidas pelos que conhecem este serviço"
Vemos por meio desse trecho o penoso trabalho de cunhagem dessas moedas de emergência. Os cadinhos rachavam devido ao calor, pois eram inadequados para esse tipo de fundição (eram improvisados). O ouro acabava por cair nas cinzas por causa das rachaduras, e tinha que ser recuperado de lá, passar por um processo de nova purificação, para depois voltar a ser posto num cadinho novo (que também poderia rachar). Se tudo desse certo, o ouro fundido era laminado, para finalmente ser cortado e batido.
E continuam os relatos desse dificultoso trabalho, minunciosamente descrito: "Em 4 de setembro foram colocados no fogão 30 marcos de ouro da Gui´né e, sendo fundido, esvaziamos a metade em lâminas e ao restante ajuntamos 9 marcos de granalha do trabalho anterior e, fundido, foi sem acidentes derramado em lâminas. Esta granalha deu a perda de...."
Continua: "Duas onças cheias de toda a espécie de impurezas rtendo sido misturadas, o cadinho apresentosu uma rachadura na altura da borda, na extensão de u'a mão, mas não causou dano e daqueles 30 marcos de ouro houve perda de..."
Ainda mais: "Colocado no fogão em um cadinho novo 30 marcos de ouro da Guiné e fundido, surgiu uma rachadura ao meio do fundo, pelo que só conseguimos 8 marcos em lâminas, o restante recolhemo-lo das cinzas e, sendo purificado e a granalha novamente fundida, obtivemos em ouro puro em lâminas 28 marcos e 7 onças e ouve perda de..."
Os relatorios desse ano dão conta também dos instrumentos que eram utilizados nesse processo, visto que foi registrada à entrega dos mesmos e suas quantidades ao ourives responsável e aos demais membros da equipe. Esses instrumentos eram em sua maioria já usados, estavam gastos e muitos já remendados. A listagem inclui: Colheres, martelos, punções e tesouras. O mais interessante dessa listagem é a menção feita a 12 cunhos restaurados e dois cunhos novos. Os cunhos restaurados poderiam ser os cunhos usados em 1645, que estariam sendo "emendados" para a nova data de 1646. Sabe-se que em 1646 foram abertos outros cunhos novos por Jan Bruynsvelt (teria sido ele o gravador das primeiras moedas do Brasil), pois na conta por ele apresentada para ser saldada pelo Alto Conselho, consta um pagamento de 5 florins e 12 stuivers por ter aberto "um par de cunhos".
Esse ourives ainda apresentou várias outras contas para serem saldadas:
3 contas por "abrir um par de cunhos"
1 conta por um cunho de baixo de III florins
1 conta por abrir um cunho de baixo e outro de cima
1 conta por dois cunhos de VI florins
1 conta por um cunho de cima de 12 florins
1 conta por dois cunhos de III florins
1 conta por dois cunhos de XII florins
1 conta por abrir dois cunhos para XXIV florins *
Pela documentação encontrada, vemos que foram abertos pelo menos dois cunhos completas para as peças de III florins e mais um cunho de "baixo". Das moedas de 6 florins pelo menos 2 cunhos completos. Das moedas de 12 florins dois cunhos completos, e também dos cunhos de "cima".
Segundo Gastão Dessart, na descrição dessas peças, os primeiros cunhos sairam com um losango logo após a palavra "BRASIL". Após, esse losango teria sido simplificado para um mero ponto, e finalmente suprimido.
As despesas de cunhagem, segundo o pesquisador Gonsalves de Mello, incluiam ainda gastos com cadinhos, que teriam sido mais de 50, dado a sua fragilidade, martelos, ferros de cortar, tesouras, bórax, tártaro, e um fole novo, bem como com carvão para o fogão e velas para trabalhos noturnos.
Chama a atenção também a referência ao cunho do XXIV florins, uma moeda até hoje desconhecida dos colecionadores. Nunca apareceu nenhum exemplar, não se sabe se chegaram a ser cunhados.
O fiscal damoeda, Pieter Jansen Bas, recebeu os 355 marcos de ouro, e depois mais 2 onças e 4 engels. O total a ser amoedado em 1646 foi então de 87 Kg e 427 gramas. O número exato de moedas cunhadas não consta nos documentos encontrados pelo Prof. Gonsalves de Mello, mas o pesquisador holandÊs Van Loon, no século XVIII, na sua obra "história metálica dos países baixos", alegou que a cunhagem dos três valores teria chegado a 700 dúzias, ou seja: 8.400 moedas. Entretanto, esse numero é questionado pelos estudiosos do assunto, pois segundo os documentos da companhia, a quantidade de ouro que foi destinada a essa cunhagem daria para cunhar muito mais, tendo em vista os pesos.
Admitindo-se que os três valores teriam sido cunhados em quantidades iguais (uma mera hipótese), tendo em consideração a quantidade de ouro que foi destinada à amoedação, teriam sido cunhadas cerca de 18.000 moedas ao total, nos 3 valores (desprezando-se a desconhecida XXIV florins, que nunca foi encontrada).
O conselheiro Bas, fiscal da moeda, teve desentendimentos com o Conselho dos XIX na Holanda, que julgou que a soma que ele tinha se apropriado para o pagamento de seus serviços era alta demais. Assim, no ano de 1647, Bas volta à Holanda, para nunca mais retornar ao Brasil.
III Florins de 1646 (imagens retiradas do site "angelinicoins")
VI Florins 1646 (Imagens retiradas do site "angelinicoins")
XII Florins 1646 (imagens retiradas do site "angelinicoins")