A PROPÓSITO DE UM SOLIDUS DE HONÓRIO, ACHADO EM CACIA

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António Carlos Diogo
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A PROPÓSITO DE UM SOLIDUS DE HONÓRIO, ACHADO EM CACIA

#1 Mensagem por António Carlos Diogo » quarta nov 01, 2006 4:17 pm

A moeda peninsular dos Séculos V e VI, imitações dos povos bárbaros e/ou das comunidades provinciais, será sempre a parte mais tenebrosa da numismática medieval, tanto no que diz respeito à cronologia como à atribuição. (A. Engel e R. Serrure, citados por Mário Gomes Marques). A preferência dos imitadores tanto dos povos bárbaros como das comunidades provinciais foi sempre pelas espécies áureas. Este facto é o aspecto que mais transparece na história monetária do ocidente europeu nestes dois séculos. As emissões em prata cunhadas por ordem de Requiário assim como de monarcas francos terão tido muito provavelmente fins comemorativos tendo sido o seu papel económico quase nulo. ( Crusafont i Sabater, M. El sistema monetário visigodo: Cobre y oro, Barcelona-Madrid, 1984).
Em “ A moeda sueva-Porto 1977, Peixoto Cabral e Metcalf”, afirmam não ter dúvidas quanto à atribuição aos suevos das imitações de Honório, isto no que diz respeito à série pesada (moedas com maior peso), e declararam-se “inclinados” para lhes atribuir as restantes. Esta opinião assenta no facto de a grande maioria das moedas conhecidas pertencer a colecções portuguesas, presumivelmente formadas com achados no território nacional, no entanto só sabemos a proveniência de seis destes exemplares: Coimbra, Castelo Branco, Covilhã, Portalegre, Badajoz e Cacia-Aveiro, precisamente localidades fora da área nuclear sueva, só transitoriamente dominadas pelos suevos.
Peixoto Cabral e Metcalf conscientes deste facto levantaram a hipótese de que pelo menos algumas emissões terão sido cunhadas em Sevilha. Mário Gomes Marques adianta a alternativa de Mérida como centro de cunhagem, de facto esta alternativa está mais de acordo com a localização das localidades de proveniência. Segundo o mesmo autor os suevos dispuseram de facto de condições para a produção de imitações de solidi de Honório e que no caso de o terem feito entre 439 e 456, o centro de cunhagem mais provável terá sido Mérida, refere no entanto não existir qualquer prova de que assim tenha sido.
A única certeza quanto a este solidus da Torre é que estamos de facto perante uma imitação servil de um solidus imperial de Honório.



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“ Estamos a lidar com material em que não existe uma linha divisória nítida entre facto e ficção.”
W. J. Tomasini.
Não é para já minha intenção alargar-me em conjecturas no âmbito da história monetária dos séculos V e VI. É sim minha intenção relembrar este achado como contributo para a história do distrito de Aveiro.



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Paraq
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#2 Mensagem por Paraq » quarta nov 01, 2006 5:07 pm

Quando se fala em Bárbaros, no nosso português actual, fala-se em selvajaria, em gente má, em brutalidade, em desumanidade, o que é mal entendido quando aqui se fala em Bárbaros.
Os Bárbaros para os romanos eram os povos estrangeiros, os que não eram romanos, os que viviam para lá das suas fronteiras imperiais de Roma, em suma, os estrangeiros. Muita gente confunde isto.

O solidus que o caro amigo apresenta aqui pela foto não se vê bem, o que é pena, não consigo destinguir se é uma cópia bárbara ou um autentico, isto sem colocar em duvida o que é dito dele.
Quanto aos dados históricos, achei muito interessantes.

Cumprimentos,
Avelino Nascimento
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Lunor
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#3 Mensagem por Lunor » quarta nov 01, 2006 5:57 pm

Vê lá agora se já vês melhor, Avelino:

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Luis Norte

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Paraq
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#4 Mensagem por Paraq » quarta nov 01, 2006 6:21 pm

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Anverso: D N HONORI_VS P F AVG
Reverso: VICTORI_A AVGGG, letras M e D no campo.
Exergo: COMOB

Esta vejo melhor, vamos lá comparar!! Para mais logo.
Avelino Nascimento
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jcunha
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#5 Mensagem por jcunha » quarta nov 01, 2006 6:58 pm

Excelentes moedas. Afinal são cópias bárbaras ou são mesmo de Roma??
Os meus leilões no Mega:

https://megaleiloes.pt/JCunha/loja

costas
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#6 Mensagem por costas » quarta nov 01, 2006 7:07 pm

boas..desculpa unicamente leva unha letra da casa?...e non consigo apreciala...un R?un B?
un saudo

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#7 Mensagem por MCarvalho » quarta nov 01, 2006 7:28 pm

A que o Avelino mostrou é uma emissão oficial, cunhada em Ravena.

A que o António Carlos Diogo nos mostra (juntamente, aliás, com um belíssimo texto) é uma cópia Sueva, cunhada algures no reino Suevo (entre a Corunha e o Douro, sensivelmente) em meados ou finais do século V.

Há no entanto que distinguir as chamadas cópias bárbaras, deste tipo de emissões em ouro e em prata (existem três silíquas suevas em prata):

As chamadas cópias ou imitações bárbaras (não são de todo falsificações, como já vi escrito por aqui) são pequenos bronzes dos finais do séc. III e grande parte do séc. IV que eram aceites e trocados por moeda oficial.

Eram cunhadas de modo muito tosco pelo povos bárbaros integrados no Império e e toleradas porque serviam, sobretudo, para superar a escassez de massa monetária em circulação, é importante reter esta ideia: as cópias bárbaras circularam bastante.

Então de onde nos vêm as cópias bárbaras (em bronze, bem entendido)? Das periferias do Império, tanto a Leste, como a Ocidente, sobretudo no território Europeu, daí aparecerem muitas na Península Ibérica.

As emissões Suevas são já um bocado diferentes.

São batidas em metal nobre, sobretudo sólidos e trientes. Existem também as tais três silíquas, em prata, que chegaram aos nossos dias.

Foram cunhadas no Reino Suevo (ou em áreas de influência Sueva), que era uma espécie de enclave dentro do Império Romano em desagregação.
Ora, nenhuma dessas moedas parece ter circulado e foram cunhadas num período em que praticamente já não havia circulação monetária na Península Ibérica (ver o estudo do prof. Rui Centeno sobre este aspecto, ou verifiquem os achados em território nacional e vejam se há alguma coisa posterior a Teodósio I...), seriam portanto moedas de prestígio ou de soberania ou ainda (é mais uma hipótese "romanceada", como diz o Rui no artigo sobre o Cotrim) serviriam para pagar tributo a Roma, se bem que Roma já praticamente não dialogava com as províncias da Europa Ocidental.

Em resumo, os Suevos já praticamente não tinham trocas monetárias, viviam sobretudo da troca directa, em pequenos povoados rurais, isolados de um ou outro pólo ainda romanizado (como Braga). As moedas de ouro que cunharam (e prata ;)) não entraram em circulação, possivelmente desempenharam outro tipo de função, mais simbólica do que prática.
MCarvalho

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Paraq
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#8 Mensagem por Paraq » quarta nov 01, 2006 7:38 pm

Exergo: COMOB Comitatenses Obryzum

COMOB, textualmente "moeda de ouro puro cunhada no reino", é uma expressão que poderiamos interpretar simplesmente como "moeda pública".
Não se trata propriamente de um acrónimo da cidade ou da oficina de origem.
No solidus que coloquei, a cidade julga-se que seja a letra M de Milão "Mediolalum" e o D a marca da oficina no campo da moeda.
Avelino Nascimento
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#9 Mensagem por costas » quarta nov 01, 2006 7:42 pm

:) fixeime mellor..si leva duas letras....M-D..
confundin o D coa cabeza do cautivo...

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#10 Mensagem por Paraq » quarta nov 01, 2006 7:58 pm

Vamos às diferenças, no solidus que o nosso companheiro António Diogo colocou, é notório nos traços das figuras a rusticidade, no que o torna de facto uma cópia dos povos estrangeiros para os romanos.
Apesar da cunhagem romana, já há muito ter perdido a “habilidade” em representar os seus imperadores nas moedas, no sólido que coloquei do tesorillo, a figura do imperador é muito mais tecnicamente bem feita do que a que o António Diogo colocou, não só como no busto mas também como na parte do tronco da mesma.
No reverso, a mesma rusticidade, pelo que vejo, parte do desenho representa somente traços (a Vitoria) e o cativo praticamente não existe.
É uma moeda interessantíssima esta a do António Diogo e é uma cópia bárbara, sendo ainda mais, conhecendo a origem!

:biggthumpup:
Avelino Nascimento
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